Relatório da comissão de inquérito
ao Banif fiel aos factos

Contributo para o esclarecimento<br>e reflexão

A co­missão par­la­mentar de inqué­rito ao pro­cesso que con­duziu à venda e re­so­lução do Banif, pre­si­dida pelo de­pu­tado co­mu­nista An­tónio Fi­lipe, aprovou, dia 28, o re­la­tório final após mais de 100 horas de au­di­ções.

Caso Banif é re­ve­lador das inú­meras fa­lhas da su­per­visão e do seu papel de bi­ombo e ocul­tação da re­a­li­dade

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O do­cu­mento ob­teve os votos fa­vo­rá­veis de PS, PCP e BE, o voto contra do PSD e a abs­tenção do CDS-PP. Aco­lhidas foram pro­postas de al­te­ração de todos os par­tidos, à ex­cepção do PSD que optou por não apre­sentar ne­nhuma e cingir-se a uma po­sição de crí­tica ao texto.

«Creio que é justo va­lo­rizar o tra­balho que aqui foi feito e creio que todos po­demos sair daqui com a cons­ci­ência de que cum­primos o nosso dever», su­bli­nhou no final o par­la­mentar do PCP res­pon­sável pela con­dução dos tra­ba­lhos ao longo de cinco meses. O re­la­tório, a cargo do de­pu­tado do PS Eu­rico Bri­lhante Dias, que se­guiu en­tre­tanto para o Pre­si­dente da AR, Ferro Ro­dri­gues, irá a ple­nário em Se­tembro pró­ximo.

Na sua de­cla­ração de voto sobre o re­la­tório, as­si­nada pelos de­pu­tados Mi­guel Tiago e Paulo, o PCP jus­ti­fica o seu voto fa­vo­rável por con­si­derar que o mesmo «traduz de forma fiel e ob­jec­tiva o con­junto de ele­mentos e factos» apu­rados no de­curso dos tra­ba­lhos da co­missão de inqué­rito.

Iden­ti­fi­cando os pontos po­si­tivos do do­cu­mento, o PCP des­taca de­sig­na­da­mente o facto de nele se de­ta­lhar com mais cui­dado do que é ha­bi­tual o con­junto das res­pon­sa­bi­li­dades po­lí­ticas e de en­ti­dades de su­per­visão pe­rante o co­lapso deste banco.

Ir mais longe

Esse foi um as­pecto su­bli­nhado por Mi­guel Tiago que não deixou con­tudo de notar a exis­tência de um con­junto de ele­mentos sobre os quais não é pos­sível haver uma «total con­cor­dância e con­ver­gência entre o en­ten­di­mento do PCP e as con­clu­sões que re­tira desta co­missão de inqué­rito e aquelas que o re­lator es­co­lheu tra­duzir em re­la­tório».

Para Mi­guel Tiago, que fa­lava na úl­tima reu­nião da co­missão de inqué­rito, esse é no en­tanto um facto que não li­mita ne­nhuma das con­clu­sões re­ti­radas, «abre é um ho­ri­zonte ainda maior» para que quem leia aten­ta­mente o re­la­tório - «li­berto dos dogmas da UE e do fun­ci­o­na­mento do mer­cado livre», ob­servou - possa re­tirar con­clu­sões que o PCP con­si­dera que existem meios para que fossem re­ti­radas e não o foram. Ou seja, apesar de «não es­conder factos ne­nhuns» nem «es­conder res­pon­sa­bi­li­dades po­lí­ticas» (ver caixa), em «ma­té­rias fun­da­men­tais» o re­la­tório não vai tão longe quanto o PCP en­tende que seria ne­ces­sário ir.

A este pro­pó­sito, foi sa­li­en­tado que há um con­junto de prá­ticas que se ve­ri­fi­caram no Banif e em ou­tras ins­ti­tui­ções de cré­dito que é o re­sul­tado desse ob­jec­tivo fun­da­mental pelo qual pautam a sua gestão e que dá pelo nome de «dis­tri­buição de di­vi­dendos em curtos prazos».

Daí Mi­guel Tiago con­si­derar - em­bora essa con­clusão não seja re­ti­rada no re­la­tório - que a banca pú­blica sal­va­guarda muito me­lhor os in­te­resses da eco­nomia na­ci­onal do que a ac­tu­ação da banca pri­vada e a li­be­ra­li­zação total do sector ban­cário.

O em­buste da su­per­visão

Sobre o con­fronto entre a UE, suas ins­ti­tui­ções, ins­tru­mentos e po­lí­ticas, e o in­te­resse na­ci­onal, Mi­guel Tiago anotou que o re­la­tório aborda esses as­pectos, mostra com grande cla­reza que há uma in­com­pa­ti­bi­li­dade, mas de­pois reduz o pro­blema aos casos já ve­ri­fi­cados, no­me­a­da­mente ao Banif, em que re­fere ter ha­vido «in­com­pa­ti­bi­li­dade».

Ora, na pers­pec­tiva do PCP, essa in­com­pa­ti­bi­li­dade é muito mais vasta, é «sis­té­mica, ma­tri­cial, e está no có­digo ge­né­tico da UE e nas re­la­ções que tem com os es­tados-mem­bros». E nesse sen­tido, para o PCP, as con­clu­sões ficam muito aquém.

A re­gu­lação e a su­per­visão também não fi­caram des­critas tal como o PCP en­tende que de­ve­riam ficar. Tanto mais que a «co­missão de inqué­rito de­mons­trou a exis­tência de inú­meras fa­lhas de su­per­visão» e que «nos mo­mentos em que a su­per­visão fun­ci­onou como a lei de­ter­mina e cum­priu o seu papel nos termos das com­pe­tên­cias que lhe são atri­buídas no con­texto na­ci­onal e eu­ropeu não foram pro­du­zidos efeitos sen­sí­veis no que res­peita à pre­venção de pro­blemas e sal­va­guarda do in­te­resse pú­blico e da es­ta­bi­li­dade do sis­tema fi­nan­ceiro», como afirma o PCP na de­cla­ração de voto.

Bem pelo con­trário, nas re­co­men­da­ções até se dá a en­tender que é pos­sível tornar a su­per­visão e a re­gu­lação num ins­tru­mento capaz de as­se­gurar o in­te­resse pú­blico e a es­ta­bi­li­dade do sis­tema fi­nan­ceiro. O que levou Mi­guel Tiago a con­cluir que se torna cada vez mais claro que a su­per­visão e a re­gu­lação, no caso do sis­tema fi­nan­ceiro, não passa de um em­buste, de uma farsa que visa no es­sen­cial es­conder das pes­soas a ver­dade. «O Banco de Por­tugal é o selo de qua­li­dade, de ga­rantia de um pro­duto que está cor­rom­pido, que está apo­dre­cido», sa­li­entou, acres­cen­tando que o Banco de Por­tugal «sabe que os bancos estão apo­dre­cidos, do­entes, que têm pro­blemas». Mais, o seu papel tem sido não o de sanar esses pro­blemas mas de vir ao pú­blico dizer que esses pro­blemas não existem, para não gerar a «ins­ta­bi­li­dade do mer­cado».

As res­pon­sa­bi­li­dades po­lí­ticas

O re­la­tório da co­missão de inqué­rito é claro ao apontar a ad­mi­nis­tração do Banco, o su­per­visor e o XIX Go­verno Cons­ti­tu­ci­onal, li­de­rado por Passos Co­elho, como res­pon­sá­veis pela de­gra­dação da si­tu­ação do banco e pela li­mi­tação de op­ções para sal­va­guardar o in­te­resse pú­blico.

Isso mesmo é sa­li­en­tado na de­cla­ração de voto do PCP, onde se des­taca, pela sua re­le­vância po­lí­tica, as res­pon­sa­bi­li­dades do Mi­nis­tério de Es­tado e das Fi­nanças do XIX Go­verno Cons­ti­tu­ci­onal, pasta ocu­pada em pri­meiro lugar por Vítor Gaspar, hoje fun­ci­o­nário do Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal, de­pois por Maria Luís Al­bu­querque, hoje ad­mi­nis­tra­dora não exe­cu­tiva da Arrow Global, em­presa que ne­go­ciava car­teiras de cré­dito com o BANIF no tempo em que a ex-mi­nistra era a re­pre­sen­tante má­xima do maior ac­ci­o­nista – o Es­tado.

Os de­pu­tados co­mu­nistas re­cordam que essas res­pon­sa­bi­li­dades tra­çaram um quadro em que se foram «con­so­li­dando e fe­chando pos­si­bi­li­dades». Desde logo quando Vítor Gaspar optou por não ac­tivar um ins­tru­mento re­co­men­dado pelo Go­ver­nador do Banco de Por­tugal (tomar con­trolo pú­blico total sobre a ins­ti­tuição) e, pos­te­ri­or­mente, quando Maria Luís Al­bu­querque «de­cidiu não ac­ci­onar a cláu­sula por in­cum­pri­mento ma­te­ri­al­mente re­le­vante que per­mi­tiria a con­versão de ca­pital con­tin­gente em ca­pital da ins­ti­tuição». Em vez disso, re­fere o PCP, a ex-go­ver­nante e hoje de­pu­tada do PSD optou por «de­fender o in­te­resse do ac­ci­o­nista pri­vado em de­tri­mento do in­te­resse pú­blico, sem pre­juízo de ter as­su­mido o com­pro­misso de pro­ceder a essa con­versão assim que o BANIF in­cum­prisse os prazos ini­ci­al­mente pre­vistos para o re­em­bolso desses tí­tulos con­tin­gentes».

Abor­dando as res­pon­sa­bi­li­dades na apli­cação da me­dida de re­so­lução, e de­pois de re­ferir que o re­la­tório faz uma «des­crição fac­tual do pro­cesso», o PCP deixa re­gis­tado na de­cla­ração de voto que se bateu pela «in­te­gração do ne­gócio do Banif no sis­tema pú­blico ban­cário» e que dis­cordou da «so­lição en­con­trada que se tra­duziu na en­trega de 3,3 mil mi­lhões de euros a um gi­gante ban­cário, o Banco San­tander-Totta». So­lução, diz-se ainda, que «re­sulta de cons­tran­gi­mentos im­postos e de op­ções po­lí­ticas que de­mons­tram bem o pendor e a ori­en­tação das ins­ti­tui­ções eu­ro­peias», mas também de uma «acção go­ver­na­tiva con­creta, que ar­ti­cula o XXI Go­verno Cons­ti­tu­ci­onal com o Banco de Por­tugal, como au­to­ri­dade de Re­so­lução».

Ou seja, con­cluiu o PCP, «se é ver­dade que a Co­missão Eu­ro­peia e o BCE agiram na de­fesa do in­te­resse dos grandes bancos eu­ro­peus, não o é menos que o Go­verno de Por­tugal de­cidiu aceitar im­po­si­ções, sem se­quer efec­tuar um pro­testo formal ou in­formal».
 

Pelo con­trolo pú­blico da Banca

A pri­va­ti­zação da banca, e sub­se­quente li­be­ra­li­zação do sector, a par da «ce­dência de so­be­rania na­ci­onal para ins­ti­tui­ções su­pra­na­ci­o­nais, no caso não eleitas» - cuja res­pon­sa­bi­li­dade po­lí­tica é de su­ces­sivos go­vernos - está na raiz da «si­tu­ação la­tente no con­junto dos bancos pri­vados por­tu­gueses».

Si­tu­ação esta que, disso nin­guém hoje du­vida, «per­turba a ca­pa­ci­dade de fi­nan­ci­a­mento da eco­nomia e do con­sumo, li­mita e con­di­ciona a con­cessão de cré­dito», como re­fere o PCP na sua de­cla­ração de voto.

«A banca pú­blica e o con­trolo pú­blico da banca podem não ser con­di­ções su­fi­ci­entes, por si só, para ga­rantir uma banca ao ser­viço do povo e do País, mas são ab­so­lu­ta­mente ne­ces­sá­rias para co­locar a banca ao ser­viço do povo e do País», afirmou por isso o de­pu­tado do PCP, as­si­na­lando que a di­fe­rença não re­side só na «forma de gestão» mas também no «es­cru­tínio e su­bor­di­nação aos co­mandos de­mo­crá­ticos».




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